A comunicação científica na construção do conhecimento!

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017
A comunicação científica na construção do conhecimento!

A essência e conceito de conhecimento sempre foram e ainda são muito discutidos quando refletimos acerca da ciência e formação do conhecimento científico. Quando se forma o conhecimento e como este se torna científico e passa a ser reconhecido no contexto acadêmico e social são questões muito complexas que os filósofos há muito tempo divergiam. 
 

De um lado a visão racionalista que traz o pensamento humano como a base para a formação do conhecimento. Para esses só há conhecimento quando o homem percebe e pensa determinado objeto, o objeto é apenas uma constituição desse pensamento. Para outros, aqui se fala dos empiristas e positivistas, a experiência é a única forma de se conhecer algo, não se pode pensar sobre aquilo que não se teve algum contato prévio, não somos capazes de fazer essas conexões necessárias ao entendimento (HUME, 1999). Para esta corrente “o espírito humano está vazio de conteúdos, é uma tabula rasa, uma folha em branco sobre a qual a experiência irá escrever” (HESSEN, 2000, p. 55, grifo do autor).

Para Hessen (2000) o conhecimento parte de uma consciência cognoscente do sujeito para com seu objeto, onde ambos se relacionam num processo de aprendizado. Não é apenas o objeto, nem tão somente o homem a fonte de todo conhecimento, para o autor mesmo nas pequenas ideias já está contido um pensamento, desta forma, tanto o pensar como a experiência são importantes para a construção do conhecimento. Nesta concepção, pode-se dizer que a todo o momento produzimos ou nos deparamos com fontes de conhecimento que será concretizado pelo processo de comunicação e uso das mesmas.

Hoje se compreende o conhecimento, em sentido mais técnico, como a apreensão de informações ao ponto de possibilitar a capacidade de correlações de determinados conceitos para uma aplicação futura. Burke (2003, p. 19) traz de forma simples e lúdica a noção de conhecimento distinguindo-o da informação, para ele a informação diz respeito ao que é “relativamente ‘cru’, específico e prático, e conhecimento para denotar o que foi ‘cozido’, processado ou sistematizado pelo pensamento”.

Para Targino (2000, p.9) “o conhecimento é um corpo sistemático de informações adquiridas e organizadas, que permite ao indivíduo compreender a natureza. É através da compreensão que o ser humano transmuta informação em conhecimento”, passando ao que apresenta Le Coadic (1996) como um novo estado de conhecimento.  E esse conhecimento vai sendo construído e transmitido na sociedade nas diversas épocas através da linguagem, seja por meio de símbolos como se representava a nossa ancestralidade ou por sistemas de escrita e da fala.

As etapas de registro e comunicação do conhecimento partiram inicialmente das inscrições rupestres em cavernas onde o homem na pré-história registrava suas atividades seus comportamentos e rituais e com que finalidade? Certamente comunicar às próximas gerações o conhecimento que detinham naquela época.

O homem evolui e desenvolve ferramentas que possibilitaram o surgimento de sistemas de escrita com a escrita cuneiforme pelos Sumérios, onde os escritos eram gravados em tábuas de argila. Posterior a esse sistema têm-se os hieróglifos desenvolvido pelos egípcios, os símbolos eram escritos em papiros com uso de tinta. O alfabeto só vem a surgir com o povo Fenício e posteriormente foi se desenvolvendo em outras civilizações (GOMES, 2007). Todos esses sistemas de registro e representação da informação revelam a necessidade que o homem sempre teve de se comunicar.

A produção de conhecimento e a escrita teve seu desenvolvimento impulsionado pela invenção da imprensa por Gutenberg por meio da prensa e dos tipos móveis que possibilitaram ampla difusão das informações que eram produzidas na época. Mas foi com a revolução industrial e científica que a produção de informação toma as características conhecidas no contexto atual (Burke, 2003). Surge o princípio de ciência moderna que será responsável cada vez mais pelo sistema de comunicação científica.

E pode-se questionar agora o que possibilitou esta explanação acerca do conhecimento e sua constituição ao longo dos tempos quando se está em uma época distante da relatada? A resposta é simples, porque essas informações foram registradas e comunicadas. A comunicação é base para a produção de conhecimento, seja ele científico ou não, sendo também de extrema importância para o progresso da ciência.

A ciência se desenvolve cada vez mais principalmente no que se refere à quantidade de pesquisa divulgada em meios de comunicação científica. Kuhn (2011, p. 20) argumenta que “se a ciência é a reunião de fatos, teorias e métodos reunidos nos textos atuais, então os cientistas são homens que, com ou sem sucesso, empenharam-se em contribuir com um ou outro elemento para essa constelação específica” e a partir dessas contribuições é que o conhecimento vai se construindo em um processo constante.

As atividades técnicas e científicas são o manancial de onde surgem os conhecimentos científicos e técnicos que, se transformarão, depois de registrados em informações científicas e técnicas. Mas de modo inverso essas atividades só se concretizam, mediante essas informações. A informação é o sangue da ciência. Sem informação, a ciência não poderia se desenvolver e viver. Sem informação a pesquisa seria inútil e não haveria conhecimento (LE COADIC, 1996, p.27).
 
O autor explana nesta passagem a necessidade de compartilhamento do conhecimento, através de informações registradas para a manutenção do ciclo de construção, comunicação e uso da informação. Na última frase de Le Coadic pode-se até acrescentar a palavra comunicação e afirmar que sem comunicação da informação a pesquisa seria inútil e não haveria conhecimento. O pesquisador Olival Freire Júnior afirma que “para que uma pesquisa seja relevante, ela precisa chegar até a sociedade, chegar às pessoas” (FREIRE, JR., 2015, p. 11), pois estimulo ao desenvolvimento de novas pesquisas só ocorre pela divulgação dos resultados antes identificados.

Targino (2000, p. 5, grifo do autor) corrobora colocando os sistemas de comunicação como vitais para a ciência, afirmando que “não há ciência sem comunicação. Não há comunicação sem informação”. Para a autora a comunicação “é um ato, um mecanismo, é o processo de intermediação que permite o intercâmbio de ideias entre os indivíduos” (TARGINO, 2000, p.10). E é importante frisar que a comunicação não deve ocorrer apenas no âmbito da comunidade científica, mas para a comunidade em geral, pois a pesquisa, principalmente no âmbito das instituições públicas é uma construção social e seus resultados são de interesse de todos.
Saracevic também expressa essa necessidade de comunicar a ciência, a informação para o desenvolvimento das diversas áreas de pesquisa:
Uma vez que a ciência e a tecnologia são críticas para a sociedade [...] é também crítico prover os meios para o fornecimento de informações relevantes para indivíduos, grupos e organizações envolvidas com a ciência e a tecnologia, já que a informação é um dos mais importantes insumos para se atingir e sustentar o desenvolvimento em tais áreas. (SARACEVIC, 1996, p. 43).
 
            O processo de comunicação científica acaba sendo responsável pelo aumento na produção de informação na medida em que as novas pesquisas são idealizadas a partir do conhecimento, avaliação, refutação ou aceitação de trabalhos já desenvolvidos pelos pares. Le Coadic (1996, p. 33) deixa claro que “o papel da comunicação científica consiste em assegurar o intercâmbio de informações sobre os trabalhos em andamento, colocando os cientistas em contato entre si”. E com a comunidade, como já mencionado, pois as pesquisas necessitam dar seu retorno à sociedade.
            E como ocorre essa comunicação? As formas de se comunicar a informação são diversas e se modificam ao longo do desenvolvimento da sociedade. O primeiro passo para que ocorra a comunicação é o registro. Um pensamento, uma informação só pode ser disseminada se for materializada seja por meio oral ou escrito e compartilhada em meios formais ou informais de comunicação científica. Quando se fala em meios formais, refere-se essencialmente à publicação em meios escritos, como livros, periódicos, já os meios informais abrangem o contato pessoal, direto entre os pesquisadores, como reuniões, troca de e-mails, entre outros.
            A chegada da internet e de diversos recursos digitais e eletrônicos impactaram radicalmente o processo de comunicação científica, pois ampliaram tanto as formas de registro do conhecimento, os suportes como de disseminação e/comercialização dos mesmos, por meio de recursos como livros e revistas eletrônicas, sites, blogs. Le Coadic (1996) traz o advento da eletrônica, da informática e da comunicação à distância como eventos que reforçaram a tendência de aumento na produção e consequentemente do armazenamento de volumes informacionais, ampliando os fluxos de informação.
         Isso se justifica pelo fato de que ao passo que se facilita a comunicação do conhecimento científico, se amplia consequentemente o acesso a este conhecimento por diversas pessoas que ao se apropriar do mesmo, irão a partir dele produzir novas informações e novos prováveis conhecimentos e assim caminha o ciclo informacional.
 
REFERÊNCIAS
BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
 
FREIRE, JR., Olival. Ciência relevante é a que chega às pessoas. A Tarde, Salvador, 2015, Caderno Muito, p. 9-12. Entrevista concedida a Eron Rezende.

GOMES. Eduardo de Castro. A escrita na História da humanidade. Dialógica, v.1 n.3, 2007.Disponível em em:< http://dialogica.ufam.edu.br/PDF/no3/Eduardo_Aspectos_da_escrita_na_Historia_da_humanidade.pdf. Acesso em: 25 jul. 2016.

HUME, David. Investigação sobre o Entendimento Humano. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

HESSEN, Joannes. Teoria do conhecimento. São Paulo : Martins Fontes, 2000.
 
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 10. ed. São Paulo, SP: Perspectiva, 2011.

LE COADIC, Yves-Francois. A ciência da informação. Brasília, DF: Briquet de Lemos/Livros, 1996.

TARGINO, M. das Graças. Comunicação científica: uma revisão de seus elementos básicos. Informação & Sociedade: estudos, João Pessoa, v. 10, n. 2, p. 37-85, jul./dez. 2000. Disponível em: < http://www.ies.ufpb.br/ojs/index.php/ies/article/view/326/248>. Acesso em: 20 jul. 2016. 

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