Bibliotecas públicas de todo o país estão mais próximas de serem obrigadas a manter pelo menos uma Bíblia disponível aos leitores. Em mais um avanço da bancada evangélica no Congresso Nacional, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 16/2009 que inclui o livro religioso nos acervos entrou na pauta de votações da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. De lá, ele vai a plenário, de onde pode sair para a sanção da presidente Dilma Rousseff, caso aprovado. Mas este é apenas mais um exemplo dos projetos semelhantes propostos Brasil afora que visam incluir por força de lei o livro em acervos de bibliotecas e escolas públicas.
Mas as normas constitucionais não são levadas em conta pelos legisladores. Desde 2011, por exemplo, bibliotecas públicas em todo o estado do Rio são obrigadas a terem ao menos uma bíblia, sujeitas a multa de até R$ 4.260 em caso de descumprimento reincidente.
Em São Gonçalo, todas as escolas públicas e privadas, além de bibliotecas, devem disponibilizar a Bíblia “em local de destaque” desde janeiro deste ano. Caso as unidades públicas ainda não possuam suas cópias, a lei determina que o poder público efetuará a compra com “dotações orçamentárias próprias, ou suplementares, se necessário”.
O mesmo “espírito da lei” também baixou em Recife, Manaus e Fortaleza, onde vereadores propuseram que a Bíblia não só constasse de bibliotecas, mas também de escolas da rede municipal. Na capital cearense, o texto foi proposto em junho deste ano pelo vereador Mairton Félix. Na justificativa, o parlamentar também alega que o livro religioso serviria para estudo acadêmico, embora ele mesmo tenha postado no Facebook estar “muito feliz que as crianças vão conhecer a palavra de Deus”.
Não é bem assim. No município de Engenheiro Paulo de Frontin (RJ), um estudante judeu do 9º ano de uma escola municipal foi obrigado a rezar a oração católica do Pai-nosso. O caso revoltou os pais, que foram prestar queixa na delegacia. A prática da reza, aliás, chegou a virar lei orgânica do município de Ilhéus, mas a Justiça baiana acatou a Ação Direta de Inconstitucionalidade do Ministério Público da Bahia e suspendeu a norma em 2012.
E em um país onde o sincretismo religioso é uma das suas identidades, projetos como esses acabam revoltando representantes de outras religiões. Foi o caso de Ivanir dos Santos, babalorixá e interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa. Segundo ele, a iniciativa peca ao privilegiar apenas uma confissão religiosa, em detrimento das demais religiões do povo brasileiro:
— O livro que é considerado sagrado para qualquer segmento deve estar numa biblioteca, não só Bíblia. Torá, Alcorão (também devem estar lá). Isso ninguém pode ser contra. Mas outra coisa é um grupo religioso apresentar projeto de lei que privilegia apenas a sua corrente. Se uma pessoa no Legislativo apenas advoga para seu segmento religioso, imagina o que ela faria no Executivo?
Apesar de não ser novidade na pauta dos legisladores, esta é a primeira vez que um texto dessa natureza chega tão próximo de ser aprovado em nível federal. O PLC, proposto há cinco anos pelo deputado Filipe Pereira (PSC-RJ), já foi aprovado na Câmara sem alterações. Segundo Pereira, a intenção do PLC não é privilegiar uma única confissão religiosa, já que, segundo ele, a Bíblia não é um livro religioso.
— Nossa preocupação é a manutenção, porque muitas estão com estado físico deteriorado. A Bíblia não é um livro religioso, já que faculdades de filosofia, história e sociologia também consultam. Não é apenas uma leitura religiosa. É universal, é o livro mais lido em todo o mundo.
O Brasil possui 6.060 bibliotecas públicas, distribuídas em 5.453 municípios. O Censo do IBGE/2010 mostrou 123 milhões que se declaram católicos, mas os praticantes são apenas 5%. A pesquisa também levantou a existência de 42,5 milhões de evangélicos.
Para a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não seria necessário que a presença de Bíblias em bibliotecas fosse exigida por lei. Segundo o bispo auxiliar de Brasília e secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner, o ideal seria que todos os acervos já contassem não só com o livro cristão, mas também com obras representativas de outras religiões:
— A Bíblia é um instrumento de pesquisa, de cultura e um caminho de vida. Toda boa biblioteca tem que ter os livros mais importantes, com ou sem lei. E não só a Bíblia, mas também livros de outras religiões, como o Islã e o budismo.
Projetos de lei pedem inclusão do livro nos acervos de instituições públicas do país, contrariando preceito constitucional do Estado laico.
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