No meio da violência, um oásis de livros

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

No meio da violência, um oásis de livros

   Biblioteca instalada em área de conflito entre gangues na cidade de Medellín, na Colômbia, é ponto de referência para moradores, além de uma via importante para a paz na região. 
   Localizada numa área em que 13 gangues brigam pelo poder e pelo território, uma biblioteca pública da cidade de Medellín, na Colômbia, teve que abrir uma porta extra para evitar que um grupo ou outro fosse “privilegiado” pelo único acesso que havia. Assim, a instituição garantiu o acesso tranquilo de todos os moradores da região, onde a circulação ainda é limitada pelas gangues. A biblioteca é hoje uma das chamadas “zonas neutras” de Medellín. Segundo a prefeitura, no entanto, outras cinco bibliotecas estão em áreas de “fronteira invisível”, onde a insegurança ainda se faz presente. A cidade, que durante muito tempo foi associada ao tráfico de drogas, viu seus índices de violência diminuírem recentemente, mas ainda há gangues atuantes. 

   Localizada na zona rural de Medellín, a biblioteca municipal El Limonar fica na divisa entre dois bairros, Limonar 1 e Limonar 2, e funciona há 12 anos. Até 2010 ela tinha apenas uma porta, voltada para o bairro Limonar 1. Mas, em 2011, a prefeitura resolveu que a tensão no local exigia obras. Os chefes das gangues de jovens da região acusavam os funcionários da biblioteca de “privilegiar” moradores de uma área dominada por grupos rivais, facilitando o acesso à unidade. 

   Para acabar com o problema, foram construídas duas portas, em lados opostos da biblioteca. Uma é voltada para o bairro Limonar 1, e a outra, para o bairro Limonar 2. 

— Estamos no que podemos chamar de ponto neutro no conflito que existe entre as duas comunidades. Em 2011, resolvemos dar uma uniformidade. (Com as portas), dissemos aos moradores, de maneira simbólica, que a biblioteca é um espaço que pode ser acessado por todos — diz a bibliotecária Shirley Ortiz. 

   Segundo Shirley, mesmo antes de a biblioteca ter duas portas, ela já garantia serviços culturais e literários para os moradores das duas comunidades, e os ciúmes das gangues não procediam. De acordo com ela, as gangues atuantes não permitem que moradores de um bairro circulem no outro. 

— Mas nós, como biblioteca, não somos limitados pelas gangues. Podemos receber os moradores e fazer o nosso trabalho — afirma. 

   A bibliotecária conta que os moradores convivem pacificamente dentro da biblioteca, que tem detectores de metal nas portas e vigias uniformizados: 

— Aqui eles são amigos, é muito neutro. Pessoas que ficam cada uma em seu lado quando estão fora da biblioteca, aqui sentam na mesma mesa, jogam xadrez juntas, participam das atividades de leitura juntas. Quando saem daqui, cada uma vai para o seu lado. Trabalhamos essa neutralidade desde o início, com as crianças, e solucionamos todos os problemas, mas lá fora é outra realidade. 

   A biblioteca El Limonar oferece serviços de empréstimo de livros, promove leituras de obras para crianças, adultos e idosos, e disponibiliza 12 computadores para a população. Tem um acervo com 11.650 livros, é aberta diariamente e recebe de 120 a 300 pessoas por dia. 

— Agora temos que trabalhar mais a parte externa da biblioteca. Tentamos conscientizar a população de que os conflitos não levam a nada. E de que é possível obter outras visões, capacitação. Já conseguimos algumas coisas. Hoje os moradores solicitam o nosso espaço para fazer atividades do bairro. A biblioteca é um caminho importante para a paz na região. Os moradores confiam em nós — diz Shirley. 

   Uma das frequentadoras da biblioteca é a dona de casa Donelia Cardona, de 63 anos, que mora no bairro Limonar 2 e participa de oficinas de leitura com idosos. 

— Venho à biblioteca três vezes por semana. Ela é muito importante para nós, tem muitos serviços, empresta livros, tem muitas atividades. Também é um lugar para conversar com os vizinhos — conta Donelia. 

   Segundo a líder de projetos do Sistema de Bibliotecas da prefeitura de Medellín, Luz Estela Peña, seis bibliotecas municipais estão localizadas em zonas de conflito, três delas em áreas rurais de Medellín, e o projeto é construir outras semelhantes. Ela lembra que já houve casos em que as unidades tiveram que ser fechadas temporariamente devido à violência. 

— E quando isso acontece os moradores logo reclamam, dizem que não podemos acabar com esse espaço que eles têm — afirma Luz Estela. 

   A presidente da Associação Colombiana de Leitura e Escrita (Asolectura), Silvia Castrillón, observa que as bibliotecas que estão em áreas violentas são menores que as bibliotecas-parque — formadas por grandes complexos de prédios espalhados pela cidade — e promovem uma relação diferente com os usuários. 

— Elas estão em bairros em que há fronteiras invisíveis, limites que não podem ser ultrapassados porque há a ação de gangues. Se alguém passa, pode correr risco. As bibliotecas ajudam a enfrentar esses pontos vulneráveis — conclui Silvia.

Fonte: O globo

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