Universidades recebem doações de acervos privados de livros
Diferentemente do que ocorre normalmente com coleções de carros,de selos e até de obras de arte, cujas peças acabam passando pelas mãos de diversos colecionadores e raramente saem da esfera privada, as bibliotecas particulares, após anos de permanência com seus proprietários, muitas vezes são doadas para instituições que permitem a consulta pública de seus catálogos.
Foi o que ocorreu com os acervos particulares do bibliófilo José Mindlin (1914-2010), cuja biblioteca será inaugurada pela Universidade de São Paulo (USP) em 25 de janeiro de 2012, e do colecionador Delfim Netto, que entregou em fevereiro 250 mil exemplares à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), também da USP.
"O professor Delfim levantou questões sobre como seria a atualização desse acervo, o acesso ao público. Ele se preocupa com a preservação desta biblioteca e, como pesquisa e lê muito dentro dela, separamos um espaço para que ele continue utilizando-a aqui na FEA. É o mínimo que podemos dar em contra partida", explica Dulcineia Dilva Jacomini, diretora da biblioteca da FEA.
"Eu não creio que seja a questão de compartilhar. Não gostaria de compartilhar a minha biblioteca. Mas aí você pensa: 'Será que vou morrer e isso será vendido para um sebo?'. E essa preocupação, em saber que tudo aquilo possa se esfacelar, acaba dando uma destinação para a biblioteca", afirma José Salles Neto, presidente da Confraria dos Bibliófilos do Brasil.
De acordo com ele, proprietário de um acervo de 20 mil livros cujo destino ainda é incerto, essa é uma das questões comuns aos bibliófilos. Outra é a promessa de conseguir ler as obras que adquire. "Quando você começa a juntar livros, passa a ser mais importante ter o livro do que ler - mas a promessa existe. Perguntei certa vez ao doutor Mindlin como resolver isso e ele disse que não existe uma resposta, pois se trata de um ponto complicado da bibliofilia."
Dono de uma biblioteca de aproximados 30 mil exemplares, o advogado Ives Gandra Martins pode não ter lido todo o seu acervo, dividido em três locais distintos - uma parte na cidade de Jaguariúna e as outras duas em São Paulo, em sua residência e no escritório -, mas o conhece em sua totalidade. "Não tenho boa memória, mas tenho uma memória específica para isso", conta, animado.
Dividida em 16 setores, que compreendem assuntos como história, filosofia, literatura e direito, a biblioteca do jurista, que começou a se formar quando ele tinha 13 anos, já tem destino certo: será doada ao Instituto Internacional de Ciências Sociais, em São Paulo, de onde é presidente emérito. "Minha mulher e meus três filhos já têm conhecimento. No momento estamos terminando o prédio, que terá 2.500 metros quadrados."
Quando questionado sobre raridades do acervo que poderiam ir para a biblioteca da instituição, o advogado afirma que estes já foram doados. "Os meus livros raros, como uma edição completa da obra do Voltaire, publicada por volta de 1800, já doei para a Academia Paulista de Letras."
A relação do bibliófilo com edições antigas costuma ser peculiar. É comum, afirma José Salles Neto, que o colecionador deixe para ler o livro em uma edição comercial, reservando o exemplar mais antigo apenas para sua apreciação. "É importante não confundir bibliofilia com biblioteca. Existem pessoas que têm grandes bibliotecas, mas não seriam bibliófilos. Você pode ter dois mil livros e ser um grande bibliófilo, por exemplo. Isso vem da relação com o livro, não a quantidade."
Colega de Ives Gandra na Academia Paulista de Letras, o jornalista Erwin Theodor Rosenthal ainda não sabe dizer qual será o destino de seu acervo de sete mil exemplares. "Francamente, não tenho um lugar para encaminhar a minha biblioteca, e isso me preocupa. Só tenho uma filha, que se iniciou nos estudos pelo direito, mas depois foi para as ciências biológicas, e ela não tem interesse pelos livros que tenho (risos). Talvez doe os volumes a algum instituto."
Em comum, além da paixão pelos livros, os colecionadores têm preocupações em relação ao futuro das bibliotecas. "Fico preocupado com o livro digital. No entanto, o prazer de ler está muito ligado ao prazer de ter a obra na mão, até pelo seu cheiro. E não posso imaginar ter o mesmo prazer com esses aparelhos. Mas isso é a minha opinião de velho", brinca Theodor.
Buscando uma conciliação do antigo com o novo, Ives Gandra admite se encantar com o iPad, aparelho com capacidade de arquivar uma biblioteca inteira. "Estou com muito receio de que isso vá representar uma perda dessa volúpia que é pegar um livro, manusear página por página... O fato de essa geração se acostumar com as telas pode levar as bibliotecas clássicas a desaparecer no futuro."
IG
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