Autores brasileiros são populares no país
Mal entramos e o diretor, de gravata, já está a postos para mostrar o local aos mais de 50 brasileiros, professores da rede pública, em sua maioria. Professoras, na verdade. Há somente meia dúzia de rapazes. O grupo está ali por ter se destacado com experiências inovadoras de leitura em suas escolas. Alguns projetos são mais do que criativos: Malvão, o único professor de 48 crianças e adolescentes de uma isolada comunidade caiçara de Paraty, instalou uma biblioteca num rancho de pesca, onde se guardam barcos e canoas. Todos os dias, ele pega um ônibus, uma van e um bote para dar aulas. Quando o mar encrespa, caminha por duas horas e meia pelas trilhas. Seus colegas enfrentam outras adversidades. Muitos trabalham em periferias semelhantes a que acabamos de atravessar. Outros têm mais sorte: dão aulas em escolas bem equipadas e localizadas. Mesmo esses nunca viram bibliotecas públicas como as da Colômbia. A espetacular Virgílio Barco, visitada no dia anterior, fez todos entenderem porque Bogotá, sede de um Estado convulsionado há décadas por combates entre guerrilheiros, paramilitares, narcotraficantes e soldados, foi declarada pela Unesco Capital Mundial dos Livros em 2007. Mesmo em guerra, a pátria de Gabriel García Márquez lê — atividade que talvez mais convide ao silêncio e à paz. E conhece bem a literatura infantojuvenil brasileira. Autores como Ana Maria Machado, Lygia Bojunga, Ângela Lago, Nilma Lacerda, Bartolomeu Campos de Queirós, Marina Colasanti, traduzidos desde os anos 1980, são considerados fundamentais para a renovação do gênero na Colômbia. Roteiro melhor, ainda que exija um pouco de coragem, não poderia haver para os professores premiados pelo Concurso Escola de Leitores, organizado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e Instituto C&A.
Na Bogotá vez por outra aterrorizada por carros-bombas, as bibliotecas estão vivas. Inclusive as localizadas nas áreas mais pobres e violentas. O diretor Róbinson Areliano que o diga. Versão mais modesta da nave-mãe Virgilio Barco, El Tunal, a terceira maior, por onde passam em média 4 mil pessoas por dia, tem excesso de demanda: recebe três vezes mais crianças do que comporta. Bayron Vargas tem dez anos e é frequentador assíduo. Com nome de poeta, segue seu destino, entre livros.
— Gosto das histórias, dos trabalhos, de tudo, por isso venho todo o dia — diz.
Para acomodar tanta gente, os 63 funcionários precisam reinventar o espaço.
— Nos fins de semana, montamos tendas e guarda-sóis no parque para pais e filhos — diz o diretor, também bibliotecário.
Róbinson, que deve estar na faixa dos 40, é igualzinho à maioria dos seus conterrâneos, mestiços de brancos e índios. Mas há algo diferente, que o faz se parecer mais com os brasileiros: ele é sorridente. De maneira geral, os bogotanos se mostram gentis, mas fechados. As mulheres, mesmo jovens, costumam ter um olhar assustado. É que quase todo mundo tem uma história brutal para contar, que vitimou gente distante ou próxima. Os períodos de trégua, como o vivido atualmente, parecem insuficientes para revogar o semblante sério. Que se repete, identifico agora, em todas as figuras redondas, supostamente divertidas, de Botero: no Museu, nenhum de seus retratos sorri, nem incognitamente (exceção aberta só mesmo na sua versão da Monalisa). O que o artista capturou de seu povo, que aliás nada tem de obeso, foi, deduzo, esse deficit de alegria. Anti-Botero total, magro e feliz, Róbinson defende que os livros ajudem a conduzir os niños ao mundo da imaginação e da fantasia.
— Não queremos oferecer o que já vivem nem recordar a dureza de seu ambiente — diz, nas salas decoradas com dragões feitos pelos estudantes.
“Então as crianças não vão falar de suas vivências?”, questiona na mesma hora a bibliotecária Silvia Castrillón, organizadora do périplo dos brasileiros. Envolvida há anos nos movimentos sociais pró-leitura, diz que El Tunal é o seu projeto favorito.
— Aqui, a comunidade está presente — justifica.
Mesmo assim não deixará passar em branco suas divergências. Ao contrário de Róbinson, Silvia não exalta o lúdico: considera a relação com os livros um prazer que se conquista com algum esforço, em todas as idades. Suas convicções, que agradaram os professores brasileiros, são firmes: não existe leitura sem debate e sem escrita. E não haverá aluno-leitor sem que haja antes professor-leitor. Engajada, a senhora grisalha, que já teve cargos estratégicos em governos e no mercado editorial, continua disposta a consertar tudo. Deplora a “moda das bibliotecas escolares” que não colocam a literatura, a palavra, no centro do trabalho. E critica a escola colombiana por não fazer frente aos problemas do país:
— Não falam da violência nem da guerra. (...)
O GLOBO
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